“Vim do Malawi a Cape Town para estudar aos 16 anos. Vivia com meu tio, mas engravidei pouco tempo depois e ele me deu três opções: Casar à força com o pai da criança, voltar para o Malawi ou ter o bebê e ficar aqui, mas sozinha e por conta. Decidi ficar. Nem a pau eu ia casar com aquele homem. E quando uma mulher mete uma coisa na cabeça, ela dá um jeito. Tento criar minha filha como meus pais não puderam. Se eu fosse pega converando com um menino, apanhava e não conseguia andar por três dias. Não podia falar sobre sexo nem menstruação. Como tive minha filha jovem, somos praticamente irmãs. Dividimos tudo e nos apoiamos – inclusive foi ela quem me deu suporte três meses atrás para romper um relacionamento que durou oito anos. Ele não me somava mais e era abusivo – eu ganhava mais do que ele e ele sugava meu dinheiro.
A parte mais difícil de criar uma menina é o medo de ela ser estuprada e morta. Vivemos em um país muito violento com as mulheres. Esse ano, por exemplo, uma menina de 19 anos foi enganada por um agente de correios. Ela foi buscar um pacote e o funcionário disse pra ela voltar no sábado às 14h, sendo que a agência fechava às 13h. Ele a estuprou e matou com uma pancada na cabeça seguida de enforcamento. Cape Town ficou enfurecida – as mulheres acamparam por três dias em frente ao parlamento. O cara foi condenado a três prisões perpétuas. Mas isso não impede que os ataques continuem acontecendo. Então se minha filha demora para chegar em casa, eu surto. Até o Uber eu peço pelo meu celular pra saber quem é o motorista, qual o número dele e depois acompanhar o caminho dela pelo GPS.
Hoje ela tem 16 anos, tem duas bolsas de estudo, não se mete com drogas nem fala palavrão. E o melhor de tudo é que vai ser uma super feminista. Eu consegui.”
Conheci Fanny depois de voltar a um coffeeshop procurando por meu óculos de sol que, no fim, entendi ter sido roubado da minha mochila mesmo. Ela estava sentada na sua pequena gráfica. Me convidou a entrar, pagou um café pra mim e conversamos por horas – fiquei intrigada ao ver o que ela fazia no computador: cartazes com mensagens de ajuda que ela pretendia levar ao centro de refugiados na Igreja do Green Square Market. Através dela eu soube o que estava acontecendo e fomos juntas tentar entrar para conversar com a liderança. No dia seguinte, voltei no centro comercial onde ela trabalhava. E no dia seguinte, e no outro também. Ela me contou que Empiress Fanny era seu nome artístico e que escrevia poemas sobre o relacionamento abusivo que ela e a África viveram. Mal sabe ela que a poesia está na vida: porque perdi meu óculos, ganhei uma amiga.
[…] a conversar com mulheres ambulantes. Todas imigrantes, ouvi suas histórias. Fiquei amiga da Fanny, um força da natureza malawiana que por sua vez me levou até o centro de refugiados montado em […]