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Nery, quebradora de tabus

A frase do título é da Nery, moçambicana que me convidou pra almoçar e passar o dia na sua casa em Inhambane depois que eu dei uma aula de quadradinho de 8 pra ela e as irmãs no mercado central de Tofo (gente…). Me apresentou à família, fez um carril de frango com amendoim e coco (prato local de comer ajoelhada, aff) e pediu pra eu dizer aos brasileiros e estrangeiros pararem de reproduzir alguns estigmas da África – a mensagem que começou esse texto é uma delas, mas há muitas outras.

Mas esse espaço e a voz são dela. Então com a palavra, Nery:

“A África não é um país”

“Me magoa quando vejo as notícias tratando a África como um país – somos um continente com 54 países! Quando aconteceu o furacão em Beira, fiquei magoada com todas as notícias que saíram. Os títulos diziam que a África estava assolada… mas como é que vocês podem falar isso quando atingiu só uma província? Por que precisam tratar como se fosse o continente todo?”

“A África não é miserável”

“Temos tanta beleza, tanta riqueza… Mas quando somos falados lá fora, nunca é para falar de coisas boas. Sempre nos tratam como pobres, miseráveis. Mostram uma criança desnutrida da Somália, morrendo, definhando… e dizem que todas as crianças africanas são assim, mas não é verdade. Temos muitas crianças bem-nutridas e gordinhas também. Isso não quer dizer que não temos crianças necessitadas- pelo contrário, são muitas. Mas não gostamos que nos tratem como se fossemos um único país. Um de pobreza, tristeza e lástima.”

“Mulheres africanas não são feias e nosso cabelo não é ruim”

“Existe preconceito. Alguns turistas vêm aqui e nos chamam de feias, mas somos todas lindas. Até três anos atrás, os próprios diretores das escolas mandavam cortar cabelos como o meu, com dread locks ou crespos, porque não era bonito. Como se nosso cabelo não tivesse valor. E acho que é por isso que tem tanta mulher negra que se refugia nas perucas e em cabelos loiros. Querem esconder o nosso cabelo africano porque ele é difícil de pentear, é cacheado, é duro, muito duro. Precisa de muita massagem e muito creme só pra poder pentear e fazer um rabo de cavalo. Mas esse é o meu cabelo e não é isso que me faz ser feia. Uma sul-africana acabou de ganhar o Miss Universo com o cabelo natural. Pura, plena! Não imaginas como isso nos dignifica. Eu comemorei muito.”⠀⠀⠀⠀⠀

“Na África não tem só leão e macaco, tem gente também”

Reforçando porque né, tem gente que não lê enunciado: “Além de retratar a África como pobre, outra imagem bem comum é de que vivemos na selva, que não tem nada diferente de leões e mato. Como se não tivesse gente aqui… Uma cantora brasileira, inclusive, veio se apresentar em Moçambique e se surpreendeu. Disse que não imaginava ter pessoas aqui e ainda se apresentou com um colete à prova de balas. Hello, aqui nós não somos violentos! Isso nos magoa.”


O dia terminou comigo fazendo brigadeiro no fogão de carvão vestida com uma capulana, tecido tradicional das moçambicanas, e a trança que uma das irmãs fez pra eu não parecer uma “branca azeda”.

É importante escutarmos não só o outro lado de uma história, mas principalmente outras vozes. Aproveito pra deixar abaixo esse TED absolutamente perfeito em que Chimamanda Ngozi Adichie fala sobre isso. E só pra registrar: como eu queria que cor de pele não importasse. Que o mundo fosse outro – definitivamente, um menos azedo.

Marina Pedroso

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