“Não gosto da África do Sul. Sou da Zâmbia, mas vim para Cape Town há dez anos em busca de uma vida melhor – depois que meu marido morreu passei a sustentar meus quatro filhos sozinha. Mas é uma luta constante. Primeiro por causa da xenofobia. Você pode ser expulso de um trem ou um taxi a qualquer instante. É muito perigoso e as pessoas nem sempre têm um bom coração. Depois, não tenho descanso. Das 9h às 17h, fico na barraca. No final do dia, pego o trem pra casa, no subúrbio, cuido das crianças, da casa, e depois trabalho mais. Eu mesma faço as roupas que vendo. Pego tecidos da África do Sul e do Quênia e vou costurando ao longo da semana e nos domingos. Vivo cansada, mas vou fazer o quê? Tenho que ficar aqui pelo menos até meus filhos terminarem a escola. Aí quem sabe eu penso no futuro.”
Sisuda, Grace me questionou: “por que você quer minha foto?” Depois que contei que era pra mim, se soltou. Mesmo assim, não conseguia me olhar nos olhos e tinha a voz cansada. Fui até o café vizinho e voltei com dois copos – ela devolveu com um “Deus te abençoe”. Enquanto tomávamos juntas, ela me revelou mais uma dificuldade: o vento trevoso de forte em Cape Town, que chegou a 120 km/h na semana anterior ao nosso encontro e que e vira e mexe varre as barracas montadas na rua. Já aconteceu com Grace – por isso, não estranhe ao vê-la apoiada nas roupas. Ou é o cansaço, ou é a ventania.
*Dezembro/2019
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