Cometi um erro em Vilankulo

É muito fácil aparecer aqui e mostrar o lado show de uma viagem. Vilankulo é o paraíso na terra, mas fiz um negócio que me fez sentir mal, envergonhada – e é uma experiência que conta porque viajar também é descobrir um lado não tão bonito do mundo e de você mesma.


Se há uma imagem arquetípica que me leva direto à ideia de liberdade, é a de uma mulher correndo de cabelo solto pela praia montada em um cavalo. Eu sei, é bem específico. Não sei se já sonhei com isso ou se aconteceu em outra vida, mas eis que, quando soube que um tal de Horse Safari em Vilankulo envolvia uma trilha com cavalos pela praia e pelo mar, quis ir na hora. Ao mesmo tempo, confesso que tenho sido bem mão de vaca, segurando minha grana ao máximo pra poupar – e por isso mesmo me privando de experiências. Então decidi que já era hora de parar com isso. Trabalhei e juntei dinheiro pra chegar aqui e fazer nada?

O horário combinado era 11:30 – às 10h40 peguei uma chapa no mercado do centro pra ir até Chiboene e, por 15 meticais, me deixaram na beira de uma rua de terra que levava até a saída do tour. Fui com a Mírzia, filha do Mito, local que me recebeu na casa dele nos dias em que fiquei em Vilankulo.

Chegando lá, encontrei a galera na areia com os cavalos já se organizando pra começar. Não sei por que pensei que não teria tanta gente – não tinha encontrado tantos turistas antes e aquilo já me fez torcer um pouco o nariz. Fui apresentada ao Bazaar e logo montei nele – reparei na orelhinha esquerda caída e as costelas salientes. Mais do que me machucar, a coluna tão saltada acendia a primeira luz vermelha na minha mente. Mal digeri o incômodo, os cavalos já foram levados para o mar. Com a água na altura do peito, caminhavam em paralelo às ondas, que vinham bater na altura da boca deles – segundo alarme: ouvia Bazaar soltando um grunhido que, de vez em quando, virava um relincho baixo. Via ele bebendo e encanei que ele estivesse se engasgando, mas me disseram que os cavalos adoram o sal tanto quanto o açúcar. Fiquei o negócio inteiro preocupada, atenta a seus sinais e aos meus. Sentia algo errado ali.

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Demos uma volta ridícula: andamos por cerca de 500 metros, demos meia-volta e retornamos pra areia. Foi coisa de 15 minutos, mas pareceu uma eternidade – minha mente não parava de martelar como aquilo parecia uma exploração, um daqueles passeios turistões. Pensei em como aqueles cavalos magros eram postos pra trabalhar sei lá quantas vezes por dia pra levar um bando de humanos pra dar uma volta no mar… coisa que poderíamos fazer com nossas próprias pernas. Fiquei matutando sobre como há toda uma corrente que luta por um turismo sustentável, contra montar em elefantes e camelos, por exemplo, e em como desconsideramos cavalos na equação – Hollywood e seus filmes de guerra e de faroeste nos domesticaram junto a eles.

Me arrependi. Que que eu tava fazendo?

Bem, paguei 60 dólares pra andar de cavalo no mar, o que doeu mais ainda. No fim eu entendi que tinha que ser assim por dois motivos: primeiro, pra não pagar por um troço desses de novo.

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Segundo, pra entender que o feminino e a liberdade nada têm a ver com uma mulher correndo solta com um cavalo pela praia… e sim com um cavalo selvagem correndo sozinho por onde ele quiser. O feminino tá em olhar para o outro e ter empatia, seja humano ou não. Estar aberta pra mudar o olhar e se mudar também.

O outro lado da história

Importante colocar aqui que esse relato é baseado na minha experiência, em como senti e percebi a situação. Conversei com a dona do negócio e descobri uma história incrível por trás. Ela e o marido viviam no Zimbábue quando, nos anos 2000, a Associação Nacional de Veteranos de Guerra pela Libertação do Zimbábue, organização ligada ao presidente Robert Mugabe, tomou ação para tentar balancear a injustiça social herdada pelo colonialismo na marra: incitando fazendeiros de subsistência negros a tomarem à força as terras de fazendeiros comerciais brancos. A iniciativa fazia parte do contexto da Reforma Agrária iniciada em 1980, quando o país se tornou independente do Reino Unido e começou o processo de restauração social.

A família de Mandy Retzlaff foi uma das despejadas, mas eles tinham uma questão – ou melhor, 104 deles: o que fazer com tantos cavalos? A melhor saída que encontraram foi transferi-los para Moçambique, que tinha acabado de sair de uma guerra civil de 20 anos e buscava por investidores. Foi um trabalho legalmente árduo e só pode ser concluído dois anos depois, mas o perrengue não terminou por aí. O clima totalmente diferente, o stress da travessia e a readaptaçao dos cavalos ao novo lar foi o combo perfeito pra deixá-los vulneráveis e foram pegos por uma praga fúngica. Os investidores deram pra trás e manter os animais custava rios de dinheiro. E foi no meio dessa crise financeira que o casal teve a ideia de começar a dar aulas de montaria e passeios na praia, montando o Mozambique Horse Safari que vai bem até hoje.

Eu não tenho como saber se a magreza do Bazaar se devia a uma fase de baixa-temporada e poucos turistas na região – portanto, menos lucro. Não tenho dúvida do amor de Mandy pelos seus cavalos e de que eles são cuidados nas melhores condições possíveis.

Toda história tem dois lados. A minha experiência não foi positiva pois me fez ver uma nuance de exploração na relação homem-cavalo que nunca havia percebido antes. Ao mesmo tempo, tem o dilema: será que estou financiando uma atividade que prejudica os cavalos ou estou contribuindo para o cuidado deles em uma época mais desafiadora para o negócio? Na balança final, eu não recomendo o passeio porque também pesou o custo-benefício. Gastar 60 dólares pra uma voltinha de nada simplesmente não fecha a conta.

Conselho final: se você ficou com vontade de fazer o tour, antes de mais nada vá até o lugar e veja você mesmo. Peça para ver onde os cavalos ficam, cheque se são bem tratados, assista a um dos passeios, e só então decida – não tive tempo pra isso e me arrependi profundamente.

Marina Pedroso

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