Paulina Chiziane, a contadora de histórias

Nos meus últimos dias de Moçambique entrevistei a escritora Paulina Chiziane – ou a ‘contadora de histórias’, como ela gosta de ser chamada – e o nosso encontro foi, no mínimo, mais uma das sincronias dadas pelo universo durante a viagem.

Tinha comprado um e-book há meses, ainda no Brasil. No dia que peguei 11 horas de ônibus de Vilanculo até Maputo, li O Alegre Canto da Perdiz de uma tacada só. Já tinha ficado estupefata com a coincidência quando nas primeiras páginas, ao me deparar com o Rio Zambeze, Maputo, Inhambane e termos como “capulana”, percebi que o livro era moçambicano – não fazia ideia! Chegando na casa de um amigo de Maputo, comentei empolgadíssima com ele: “Mata, você não acredita! Sem querer acho que li o livro de uma autora moçambicana! Você conhece a Paulina Chiziane?”. Me olhou com cara de interrogação e soltou um “mas cara, era ela que eu tinha te falado que podia passar o contato pra você entrevistar” – na semana anterior ele tinha mesmo dito que podia me conectar a uma escritora local e que seria interessante pro meu projeto.

Corta cena, restavam apenas dois dias em Moçambique. Me sentia jururu ainda pelo meu segundo despejo abrupto – em algum momento que não sei identificar exatamente qual, minha relação com Mata azedou e tive de sair de mochilão e cuia de sua casa. Pelo menos eu tinha um número de telefone no meu bolso… apesar de repetir pra mim mesma o velho mantra do “pra que tentar? Não vai dar certo”. Mas no meio do deserto um pensamento floresceu: “as sincronias que rolaram pra esse telefone chegar na minha mão foram tantas… e se for pra ser? Tenho que tentar!”

Liguei nessa noite e, pra minha surpresa, ela não só atendeu de cara como disse para visita-la em sua casa no dia seguinte. “Normalmente eu não teria agenda… mas amanhã é feriado e vou estar livre. Venha para conversarmos!” Desliguei. Por um segundo, fiquei em silêncio. “Minha cara deve estar impagável agora”, pensei antes de sair correndo & pulando & gritando contar a Paola o que tinha acontecido. Ela mesma estava ansiosa – além de ser fãzoca do trabalho de Paulina, queria ouví-la tanto quanto eu: educomunicadora e diretora da @afroeducacao, o corpo do trabalho da Pá é todo voltado pra descolonização do olhar na educomunicação. Quando a conheci, estava em Johannesburgo fazendo um doutorado sobre os impactos da branquitude nos currículos enquanto conduzia uma pesquisa sobre os motivos pelos quais a lei 10.639/03, que coloca a obrigatoriedade de incluir na grade o ensino de cultura e história africana e afro-brasileira, ainda não é cumprida em grande parte das escolas brasileiras.

Dia seguinte, duas chapas e duas horas depois, chegamos na rua de sua casa e a encontramos esperando na porta.

Paulina-Chiziane

Atenta a seu jeito de passarinho e seus olhos azuis, ouvimos ela falar sobre as heranças de um colonialismo que ainda existe e que se infiltra pela religião, pela autoestima, pela indústria dos povos africanos. Sobre o machismo colonial – como as mulheres negras foram colonizadas de uma forma totalmente diferente dos homens, invadidas e violentadas. Repeti a ela a pergunta de Delfina, sua personagem. “O que será do futuro, Paulina? Que palavras mágicas você tem para essa gente?” Dando um pequeno spoiler, entrego parte de sua resposta: “Precisamos que a humanidade seja humana”.

A série de coincidências que me levou até Paulina foi um sopro – saí de lá sentindo toda a humanidade do mundo. Talvez por isso eu devesse tanto encontrá-la. Talvez seja o que tanto busco nessa viagem: humanos sem medo de sua humanidade.

Sem mais delongas. Permita-se, assim como eu, ter a cabeça explodida por Paulina:

O colonialismo acabou mesmo? É um fato consumado? O colonialismo venceu?

A resposta a essa pergunta é um mundo inteiro. Algumas características do colonialismo foram a ocupação da terra e a dominação e venda das pessoas na escravatura e, com as guerras de libertação, esse sistema aparentemente cessou. Mas pelo que vejo, ainda está de pé porque continuamos tendo a usurpação e as desigualdades sociais.

Eu falo muito que a nova colonialização vem em várias formas, sendo a religião uma delas. Só aqui nessa zona suburbana que vivo há uma quantidade enorme de igrejas, das mais disparatadas. Tudo é em nome de Jesus Cristo e aí tiram o pão, a casa… Edir Macedo trouxe esse veneno para Moçambique. Em uma família atual temos o pai e a mãe que ainda são fiéis à igreja católica, mas o filho sai e vai na igreja do Edir Macedo e aprende que tudo é diabólico. Depois o outro filho vai na igreja do Sétimo Dia do Senhor da Ressurreição, onde vai aprender que tem que vender e dar tudo para Jesus.

“Para um homem negro chegar a Deus, precisa primeiro passar pelo branco”

Enfrentamos conflitos sociais muito fortes porque esses grupos religiosos estão a trabalhar na mente dos africanos. Antigamente, era a usurpação da terra e da força fisica do trabalho. Agora estão a fazer a lavagem cerebral. E as pessoas ainda não perceberam o que se passa. O escândalo recente: Edir Macedo andou a tirar coisas das pessoas. Com aqueles dízimos fabulosos construiu igrejas, mas vendeu tudo, pegou o dinheiro e voltou pro Brasil. Como é que o nosso governo deixou? Como o governo não foi capaz de alertar ao seu povo sobre o perigo de vender a casa pra dar dinheiro a Jesus? Jesus precisa de uma casa por acaso? São várias as formas do colonialismo que ainda prevalecem. Pra mim, simplesmente mudou de face.

Outro grave discurso, aliás, é esse. A lavagem cerebral faz com que o negro sobretudo olhe pra si como se não fosse filho de deus. O papa é branco, o padre é branco, o pastor é branco… aquela cúpula de arcebispos é toda branca. Pra um negro chegar a Deus tem que passar por um branco. O que eu digo é: se foram cinco séculos de colonização e destruição, precisamos também de cinco séculos de luta pela libertação e reconstrução, sobretudo pra nossa história africana. Quando trocamos impressões, a consciência do povo vai crescendo e vamos reaprendendo… Mas nossas novas lideranças não ajudam.

Nossas instituições de formação são herdadas do sistema europeu e do americano. Um bom moçambicano é considerado homem culto quando vai estudar em países supostamente mais desenvolvidos. Esses indivíduos então são formados na língua do colonizador e a estrutura de pensamento que compõe todas as suas obras, seja de matemática, química, o que seja, é a europeia. Vão fazer o doutoramento ou o mestrado na Europa e quando regressam à África, ocupam cargos de liderança. Viram governadores, ministros… mas será mesmo que ainda são africanos? Ou seriam agora europeus? Como é que eles vão gerir o seu país se não conhecem a sua cultura? É um problema sério.

Moçambicanos também sabem da desigualdade que existe em nossas relações comerciais. Um exemplo muito recente é a moringa, planta medicinal que é um saber tradicional dos curandeiros africanos e indianos. O estrangeiro vem, retira, processa e vende os comprimidos daquilo para nós e para o mundo – ou seja, vem aqui, tiram nossos recursos e patenteiam sem nunca pagar por aquele saber. E ainda nos dizem pra não preparar em casa, como temos feito há milhares de anos, porque não tem higiene. Que o remédio importado é mais eficaz que a planta natural. Quando eu vi o frasquinho pela primeira vez, custava mil meticais. Agora subiu para dois mil… É uma dupla exploração.

E os chineses? Tiram tudo do mar. Ai meu Deus… eu costumava comer um peixe muito barato, tanto que era chamado de peixe dos pobres. Seu nome era magumba ou maroli. Já não há mais porque os chineses vieram com aquelas redes tenebrosas e sugaram tudo. Seguem nos sugando tudo… Esse é o projeto colonial que continua.

A apropriação da mulher zambeziana pelo colonizador e a colonização do útero são tratadas no livro como um dos fatores principais da criação da nova nação. Como estão essas mulheres moçambicanas hoje?

As tradições e as culturas, sejam elas a africana ou a europeia que nos invadiu, sempre colocaram a mulher naquele lugar onde ela não pode entender, pensar ou dar opinião. Mas algumas vezes essas mulheres agem segundo as leis da natureza.

Morei muitos anos na Zambézia e o que eu aprendi na época em que escrevi o livro é que a colonização era exercida de forma diferente nos homens e nas mulheres. Enquanto eles eram espancados e humilhados, sua macheza reduzida pra se sentirem pequenos e impotentes, as mulheres eram simplesmente violadas. É aquela ideia louca de Gilberto Freyre e do lusotropicalismo, de que para acabar com o negro era preciso criar uma nova raça e por isso o estupro fazia parte do projeto colonizador. O homem branco veio à Africa com essa filosofia do direito de violar qualquer uma e fazer os filhos que quisesse, sem se responsabilizar em cuidar deles depois. Estupravam e iam embora. Portanto, há aqui uma questão da supremacia colonial, do machismo colonial. E na luta pela sobrevivência, havia mulheres como a Delfina, que entravam no jogo para não serem marginalizadas.

Embora Moçambique seja um país, tem várias filosofias do feminino e elas são completamente diferentes umas das outras. Pra mim a Zambézia é particularmente importante porque demarca um território: do Rio Zambeze pro Sul começa o patriarcado tradicional africano. Do rio pra cima, o matriarcado.

Mapa-moçambique

Por exemplo, a criança mais celebrada na região norte é a menina porque ela vai trazer fortuna pra dentro de casa. Nasce com a mina de ouro que é o sexo (oh, Jesus…). Enquanto o rapaz é tratado como aquele que vai partir e não se sabe onde vai morrer, se vai se perder na guerra, na prisão ou se vai migrar. E é muito interessante conhecer o norte de Moçambique e o comportamento dessas mulheres que são mais privilegiadas. A Delfina está exatamente nessa região da Zambézia, perto do rio, nessa zona onde temos a fronteira entre o matriarcado e o patriarcado. Lá as mulheres sabem negociar, conhecem o valor de seu corpo.

Já a mulher do sul, ai meu Deus.. É “sim, minha sogra” pra cá, “sim, meu marido” pra lá… é uma máquina de trabalho. Se for pesquisar as fotos para “Moçambique, mulher”, se vê tudo muito colorido, com lenço, maquiadas.. São as mulheres do norte. Elas são o cartão de visitas do feminino moçambicano. A mulher do sul, não. Coitada, se quiser tomar banho tem que pedir licença ao marido antes. Que coisa…

Então, o país é diverso. A expressão das mulheres também é diferente. As do norte são mais privilegiadas pela tradição que têm, mas o sistema governamental, a igreja, a legislação e as novas religiões, como Islamismo e Cristianismo, são patriarciais. E como nós do sul, elas não tiveram acesso à educação. Se elas tivessem, teriam sido governadoras do matriarcado inicial e esse sistema não estaria gradualmente desaparecendo.

Acha que a questão da interseccionalidade é uma possibilidade pra desconstruir esses papeis sociais historicamente colocadas de forma negativa?

Onde quer que seja, em qualquer área, os papeis sociais penetram… é preciso desconstruí-los. O problema é que nascemos em uma sociedade que já decidiu o que está correto e o que está errado. Às vezes agimos sem perceber alguns fenômenos à nossa volta e não nos damos conta de algo que está plasmado. Ao analisar os livros que escrevi ao longo dos anos, começo a notar que tenho evoluído. Sou do sul de Moçambique, em que a mulher é tratada de forma absurda como um objeto. Tenho que dizer sim a tudo e tudo que é meu, que consegui com meu trabalho, tem que ser governado por um homem. Fui me desconstruíndo à minha maneira, mas ainda me pego tendo atitudes absolutamente machistas.

“O machismo passa de geração em geração através das mulheres”

E quantas vezes não dou por mim a escrever a história do meu povo numa linguagem racista? Porque eu fui socializada com racismo, estou a reproduzir o racismo. Só depois comecei a entender que algumas coisas pequenas já traziam o preconceito enrustido. Por exemplo, é muito comum pro negro se referir a uma mulher como “aquela dos cabelos encarapinhados, de nariz grosso como uma batata e lábios de bife”. O projeto colonial foi isso: o branco classificando o que é o nariz perfeito. Na ciência é a mesma coisa – é uma instituição masculina e as mulheres foram todas excluídas, já que mulher que pensa não presta. Isso vem desde a antiguidade… se a mulher descobria alguma coisa, levava ao homem para ele fazer a patente. É como a apropriação da moringa.

Sobre o patriarcado e as relações doentes e tóxicas entre mulheres, até que ponto nos deixamos ser colonizadas? Penso na relação entre Maria das Dores e Delfina, mãe e filha… O que as novas gerações estão recebendo como herança das relações femininas?

Acho que fizemos muitos progressos, mas também retrocessos. Eu venho de Gaza, que é a região mais machista do país. Lá, os homens ativos de casa emigram pro Zimbábue e pras minas da África do Sul. Quem cuida da família e da manutenção da cultura são as mulheres e como elas socializam as outras mulheres é um fenômeno que merece uma análise. Como pode uma região em que os homens estão fora ser a região mais machista?

Significa que o machismo passa de geração em geração através das mulheres. Temos o caso da Suazilândia, o único país do mundo em que uma menina pra se casar tem que ter um certificado de virgindade – e quem cuida disso é a mãe, a sogra, a irmã. Aqui em Moçambique, é comum também uma mãe deixar o filho passear até a hora que quiser, porém reprimir a filha. Primeiro porque a natureza do feminino tem outros perigos, mas também pra plasmar na mente da menina que ela é a guardiã do lar, da família.

Outra coisa muito comum é uma que pariu um filho sentir-se mais mulher do que as outras que tiveram meninas. Em uma família de irmãs, aquela que teve só meninas é desprezada, enquanto a dos filhos rapazes é a mais consagrada. É um pensamento que não acredito como ainda pode existir… Então são algumas das marcas do machismo e somos nós mesmas que reproduzimos.

Como pode mudar de uma região pra outra essa relação com o feminino?

Prmeiro nosso país é imenso. Segundo, além das diferentes filosofias do feminino, há as fronteiras culturais. Me sinto mais próxima de uma pessoa que está na Cidade do Cabo, na África do Sul, do que em Nampula, aqui em Moçambique. Porque essa cultura que temos aqui é como a velha colonização.

O que é ser mulher e o que é ser uma mulher moçambicana?

Ser mulher é uma construção social, já que as sociedades constroem o conceito da mulher de acordo com seus mitos de origem, suas culturas. Então digo com orgulho que ser mulher é ser quem eu sou: Paulina, sou mulher, negra e sou também a imagem de Deus, porque segundo o Cristianismo “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança”. Por isso entendo que Deus também é mulher.

Falando em Cristianismo, é interessante notar que no antigo testamento a mulher é sensual, pecadora, fogosa. Mas quando entramos no novo, encontramos de novo a figura da mulher, dessa vez castrada. Maria faz um filho sem conhecer um homem. Ela é pura porque não faz sexo e depois ainda usa um véu. A mulher do antigo testamento era toda nua, mas a do novo é toda coberta…

“Pra mim, Jesus protagoniza uma das imagens mais belas de um homem feminista”

Por outro lado, gosto muito da imagem de Jesus. Há uma passagem bíblica que conta que Jesus estava sentado num muro de oliveiras quando chegou um grupo furioso com uma mulher. “Mestre, apanhamos essa mulher a pecar. O que devemos fazer?” Ao que ele responde “quem nunca pecou que atire a primeira pedra!” Todos foram embora e a mulher ficou. “Vai e não volte a pecar”. Pra mim essa é a imagem mais bela de um homem feminista. Na minha terra, as mulheres são machistas. Se fosse uma Jesus, ela teria dito para matarem a mulher. Mas apareceu um Jesus numa outra zona e disse “salve-se a vida dessa mulher”.

Eu li a Bíblia Sagrada e o Novo Testamento todo à procura das palavras de Jesus Cristo sobre a submissão da mulher. Posso ter errado, mas nunca encontrei. Em nenhum momento Jesus diz que a mulher deve se submeter ao homem. E os padres simpáticos, que fazem? São crstãos porque usam a imagem de Jesus, mas quando se trata de falar sobre a questão da mulher, vão ao Antigo Testamento buscar aquela parte que diz que a mulher é a pecaminosa. Então é um produto do sistema. Estou a falar do feminismo religiosamente. Ele nunca usou a palavra igualdade, mas falou de equilíbrio. Depois aparecem os profetas e vão recuperar o pensamento do Antigo Testamento e moldam o Evangelho. É uma manipulação, pois tudo se manipula…

Pergunta da Paola: Há um encontro entre suas obras e Carolina Maria de Jesus? Quando leio ambas me vem essa figura da mulher que traz uma ancestralidade e experiências de vida que se assemelham independente de onde estejam, seja na África, na América Latina, no Caribe…

Não afirmaria que temos semelhanças porque a Carolina é uma autora que conheço faz pouco tempo, mas o que me agrada e me surpreende nela é a profundidade. Uma pessoa de pouca escolaridade mas de extrema sensibilidade e humanidade. O caso Carolina me faz pensar que nós temos as escolas normais do mundo, mas a maior escola é a própria vida. E ela é uma intelectual da vida, não da academia. De forma que o trabalho dela é surpreendente. Há escritores com muitos diplomas que não chegam à profundidade de pensamento dessa mulher, o que significa que o pensamento é inerente ao ser humano. A intelectualidade, independentemente do lugar onde nos encontramos, sempre existe. Não precisamos de um certificado de virgindade pra sermos virgens nem de um certificado de uma academia pra sermos intelectuais e a Carolina prova isso. Ela faz umas abordagens, questionamentos sociais, rompe tabus e é uma mulher sem escolaridade.

Ainda me lembro perfeitamente das primeiras conferências que assisti quando falavam de Carolina de Jesus. Os acadêmicos diziam que ela nao sabia escrever nem pensar. Mas o tempo foi exercendo sua influência e cada vez mais Carolina está sendo conhecida. No meu caso, cuando comecei a publicar em Moçambique, houve uma resistência muito grande ao meu trabalho. Mas não sei como, consegui furar a fronteira. Sempre lidei com muita gente de muitas partes do mundo. O meu trabalho começou a ter impacto fora de Moçambique e só depois é que os moçambicanos tiveram contato. O importante é não desistir. Cada processo leva-se um tempo.

“São lutas…”

Aconteceu algo engraçado uma vez com um governante daqui, aliás. A filha foi estudar na Sorbonne. O pobre pai que sempre desprezou Paulina de repente tem a dura missão de procurar certos livros porque a filha lá em Paris tem que fazer um trabalho sobre as obras dessa mulher. E de vez em quando faço meu show também. Me contataram…“Sua excelência está a chamá-la porque precisa de tal livro”. Na época, pensei: Eu quando preciso de alguém, marco audiência. Então se ele precisa de algo que é meu, então que venha até mim. O homem deu voltas… e acabou vindo. A menina fez o doutramento e foi quando começaram a olhar pro meu trabalho. “Afinal, o teu trabalho vale”, me disseram. São lutas…

Paulina, a última pergunta quem faz é Delfina: Que esperar do futuro e que palavras mágicas você tem pras novas gerações?

Espero sinceramente que a nova geração mantenha a força de vencer os desafios de sua própria época. Não sei se a vida tem fim… e se não tiver, então tal como Delfina lutou com suas armas pra sobreviver, nós temos que lutar com as nossas. Porque conflitos sempre existirão e esse desejo humano de eliminar o outro sempre vai acontecer. Hoje é o negro em desvantagem, e nós queremos liberdade. Mas quando esse momento chegar, será que não teremos o prazer de oprimir o antigo opressor? É preciso haver humanidade na própria humanidade. A minha esperança, então, é que a humanidade seja verdadeiramente humana.

*

Paulina Chiziane foi a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique – além de O Alegre Canto da Perdiz (2008), também é autora de outros títulos como Balada de Amor ao Vento (1990), Niketche: Uma história sobre poligamia (2001) e O Canto dos Escravizados (2017) que tratam sobre as questões sociais do país e os lugares femininos entrelaçados a mitos de origem e à formação da nação pós-colonização.

Marina Pedroso

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