Mírzia, menina-mulher de Vilanculos

Meninas…

Mírzia tem 12 anos e, Leni, 11. São primas e nenhuma tem mãe, mas ambas adoram estudar matemática. Enquanto carrega Wanga, seu irmãozinho de 3, no cangote, Leni me conta que quer ser contabilista. Mírzia ainda não sabe. Foi com ela que convivi nos meus dias em Vilanculos.

… e mulheres

Filha do guia local que me recebeu em casa, Mírzia me observava de canto e desviava no susto quando retornava o olhar – não era de falar muito. Fechada, respondia a tudo que eu perguntava com um “naaaum” ou um “naum sei!” Sorte que aprendi a ler nas suas entrelinhas. Depois que coloquei a câmera em sua mão e nos fotografamos em sua casa, passou a me acompanhar pra onde quer que eu fosse. Ignorava alguns meninos que a provocavam por estar andando com uma “mulungo”. Sempre que cozinhava um prato de almoço ou café da manhã em “sua cozinha”, colocava um igual no meu colo. Jogamos queimada com sua bola de meia e suas amigas, comemos chocolate e tomamos Sparletta, o refrigerante de morango mais pop de Moçambique, no caminho de casa. Desenhamos no seu caderno de Artes Visuais e suportamos meu brigadeiro queimado duas vezes (difícil fazer no carvão…).

Um dia, inventei de ir de chapa até um bairro distante e voltar 10km a pé pelo manguezal e pelo mar – péssima ideia. A lama atolava nossos chinelos (Mírzia estourou a tira dos seus e eu lhe dei os meus), os becos sem saída nos forçavam a ir pelo mar, a plantação do mangue brotava da areia como espinhos. Mas ela não arredou e ainda riu.

Também teve aquela vez em que voltei de um free-diving em alto mar com a bunda em carne viva – seu pai tinha me emprestado uma blusa de neoprene, mas o dote ficou ofertado ao sol enquanto eu mergulhava. Mírzia foi no quintal, arrancou uma folha do pé de Aloe Vera e esfregou na minha pele como uma mãe cuidando de uma filha espoleta.

Vi tanta força e tanta mulher no rosto e no corpo de Mírzia que me deu desespero: queria conhecer o que tinha do lado de dentro daquele universo. Fui embora sem saber qual era seu maior sonho, o que lhe incomodava mais, o que ela mudaria se pudesse escolher apenas uma coisa. Nunca descobri porque Mas quando ela quis pegar folhas de Aloe Vera pra eu levar na minha viagem, entendi: eu tinha ganhado mais uma pessoa na estrada.

Marina Pedroso

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