Dizem que quando Urano passa pelo seu signo solar, a vida vira do avesso – assim como acontece também durante o retorno de Saturno. Coincidência ou não, as duas coisas vão rolar juntas pra mim a partir de 2020 e eu já demonstro sintomas: inquieta, decidi que era hora de subverter a ordem e colocar em prática um sonho que existe há pelo menos quatro anos. Até tentei fazer uns mochilões sozinha pelo Brasil e pela América do Sul pra ver se sossegava, mas a verdade é que a bendita volta ao mundo continuou me chamando. Então pronto – resolvi atender a ligação.
Juntei dinheiro pra sair da casa dos meus pais não pra dividir algum apartamento com amigas ou namorado, mas pra ir morar no mundo – e eu é que vou bancar tudo. Minha pós-graduação vai ser em pelo menos 25 países. Virei mãe de uma mochila e desse projeto chamado Womanifests: bem ipsis litteris, as manifestações de uma mulher.
Por trás dessa decisão, um milhão de motivos. Para começar a explicar o primeiro, já ouviu falar em Unboxing? O tal do termo usado na internet na hora de ~desembalar os recebidos~. O meu vai ser um pouco diferente: não vai ter maquiagem nem bolsa Chanel. Como jornalista, quero mesmo é tirar o mundo das caixas onde metemos ele. Quebrar as arestas, preconceitos, padrões. Cortar os intermediários, ver com meus próprios olhos. Mostrar como é – não como a mídia pinta. Será que o Oriente Médio é feito de terroristas? A África é mesmo pobre? Uma mulher não deve de jeito algum viajar sozinha pela Índia? Aliás, é loucura uma mulher fazer o que não se espera dela e querer viajar pra viver o mundo? É loucura uma mulher ser livre?
O que me leva ao segundo motivo.
Eu tenho uma teoria. Antes de termos uma nacionalidade, somos parte de uma comunidade muito maior: das mulheres. Ser mulher vem antes de ser brasileira, africana, asiática. Existe algo mais primitivo e primordial que nos conecta. Assim como o sorriso é uma linguagem compreendida por todos não importa a língua falada, ser mulher também carrega uma simbologia comum à compreensão de todas. Ser mulher é universal. Ou melhor, o feminino é universal. Está presente em todos os seres, não importa o gênero – ou, pelo menos, deveria estar. E o fato que leva muita gente a não sacar isso é justamente porque ele foi reprimido e silenciado ao longo de séculos. Tenho curiosidade pra saber por onde anda a potência do feminino. De que formas ainda é escondido? Que roupagem ele usa, como ele pensa e pulsa?
Nossa história foi governada por tempo demais pelos homens. Tudo que se fala é sobre a tal da Jornada do Herói. Pois bem.. tá na hora de escrever a Jornada de uma Heroína.
Como também não podia deixar de ser, lá vai o motivo #3: é claro que eu vou porque eu quero viver. As duas coisas que mais me dão pânico são aranhas e morrer sem o coração ter batido direito. Passei por uma crise em 2015. Adormeci no volante e segui no piloto automático – quando me dei conta, não sabia como tinha parado ali, em um trabalho que não tinha sentido pra mim, um namoro que me amortecia e amizades tóxicas que só me puxavam pra baixo. Me sentia sem energia, mas tomada de uma fúria crônica. Transtornada, mas inerte. Acordei sem entender de quem era aquela vida e onde é que a garota de 18 anos que tinha tanta paixão e sangue nos olhos tinha se enfiado.
Aos 23, a chavinha virou e a viagem começou a me chamar. Aliás, ela teve início ali mesmo. Não só porque o tiro de saída foi uma passagem de R$ 700 comprada na louca pra ir sozinha à Nova York, onde me perdi, me encontrei e me viciei em viajar só – vide os mochilões pelo Brasil e América do Sul que seguiram -, mas também porque de lá pra cá foi uma jornada intensa pra dentro de mim mesma. Quebrei a cabeça e o ego várias vezes pra poder remendar o coração e, agora, sinto que preciso saltar, descer pra arena, deixar Saturno voltar e Urano me avessar.
Dá medo? Claro. Mas é só quando se sai da tal zona de conforto que grandes coisas acontecem. E como já dizia Campbell, precisa ter disposição pra se livrar da vida que planejada para poder viver a vida que te espera.
Meu roteiro começa pela África e supostamente segue pelo Oriente Médio, Ásia e Europa. Não sei quanto tempo vai durar. Minha intenção aqui no Womanifests é contar essa jornada da heroína: as minhas primeiras vezes, os causos, as experiências, as respostas (ou mais perguntas) e os achados que encontrarei pelo caminho – que vão incluir comida, eu espero (honrando a classe das taurinas, óbvio).
Se quiser me acompanhar, vamos juntxs.