Sabe a estação da Sé às 18:00? Agora imagina a mesma proporção de gente por m², só que dentro de uma kombi destroçada. Apresento-lhes a chapa, meio de transporte local e o mais barato usado em Moçambique e em muitos outros países da África. Aquilo que chamam de experiência antropológica africana de fato é algo bem… digamos, único.
Cheguei no mercado de chão de terra batida e avistei a fileira de miniônibus, kombis e caminhonetas.
– esse vai pra Chiboene?
– não, pergunta por ali.
– esse vai pra Chiboene?
– não, pergunta por ali. (apontando pro lugar de onde acabei de perguntar)
FUÉN.
Superado o looping, entro na chapa e espero – elas só saem quando lotam, então é bom levar a paciência pra passear junto. Uma hora depois, a chapa parte com vinte pessoas no espaço que deveria ser de 15. Estação da Sé feat. Coração de mãe – sempre cabe mais um. À medida que a chapa anda, no alto dos seus 30 km/h, vai parando ao menor sinal de potenciais passageiros na rua – AÔ, <<insira um destino aqui>>! e entra mais um.
O menino na minha frente que ia em pé e pescoço dobrado no teto de repente encaixa de lado entre meus joelhos – o único espaço que faltava ser ocupado na chapa.
Nossos odores se uniam no ar – era tanto CC junto que, ali, realmente éramos um só. A porta rangia com um som agudo e agonizante a cada vez que se abria e fechava – e posso dizer que foram muitas. NHÉEEC.
Eu suando até no bigode – coisa que só acontece em casos extremos – e as moçambicanas plenas, com penteado no lugar e pele seca. Eu, toda grunhenta, descabelada, pingando. Como elas conseguiam? Começam a rir de mim. Uma mulher ao meu lado, de camisa com gola de renda e capulana, solta um “suas mamas estão pra fora”. Gelo na hora e olho pra baixo – ufa, tá tudo no lugar. “Não, moça, eu tô de biquíni. Vou pra praia.”
Para na estrada, saem dois, entra um. Sai um, entram três. Saem três, não entra mais ninguém. Aos poucos a chapa vai esvaziando e, de repente, é possível sentir ar no rosto vindo das janelas entreabertas. “Essa rua, você vai reto. Aí você chega”, me dizem. “É pra eu descer aqui?”, pergunto. “Pego essa rua aqui de terra?”
Com a kombi ainda em movimento, o cobrador pega a moeda de 20 meticais da minha mão e abre a porta desgrudo a bunda suada do estofado de couro aberto e espuma e saio num atropelo que só. Sozinha na estrada, olho pra um lado e pro outro. Vejo galinhas passando e penso comigo mesma: “ih, será que é essa rua mesmo?”
Ah, as emoções de se andar de chapa…
[…] 2 months agoAdd comment Escrito por Marina Pedroso Share this article FacebookEmail Próximo post A aventura na chapa […]