Obrigada, Mar Vermelho

O mar recarrega energia, mas não só: é um espelho porque representa nosso inconsciente, as profundezas, a grande sopa de onde todos viemos. Mergulhar nele é mergulhar em si mesmo, no início que existe há milhões de anos, nossa primeira casa.

Os três signos de água do zodíaco são os mais conectados ao corpo emocional – câncer remete a lagos e rios, escorpião às águas pantanosas e profundas do nosso submundo e que nos custam mexer, enquanto peixes carrega a imensidão do oceano, a divindade do Todo. Três camadas que mostram a jornada gradual: primeiro entramos em contato com nossos afetos e emoções, nossas fases de lua; se vamos além, passamos a navegar e cavocar pelas nossas sombras e, após iluminá-las, chegamos ao nível for a do tempo e espaço, outra dimensão, o Oceano Primordial.

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Não à toa se atribui às águas a morada de criaturas que, num canto hipnotizante, nos atraem ao fundo – as sereias nada mais são do que o convite para percorrermos essa jornada tão humana que é mergulhar no nosso mar, o inconsciente. Percorrer o labirinto até chegar ao centro, à essência, ao que realmente importa.

Não me surpreende, portanto, que as águas estivessem presentes nos momentos mais frágeis e transformadores da minha volta ao mundo.

Planetas se alinharam e fui guiada até um apartamento em frente ao mar de Mombasa para passar a quarentena. Como se eu não pudesse estar em nenhum outro lugar para receber a notícia da morte de Rachel e depois levá-la até as ondas. Como se a vida soubesse que só um mergulho naquele sal me aliviaria de mim mesma nos dias mais sufocantes. Lembro do meu último dia no Quênia… depois de viver naquele país por quase 9 meses, enquanto me despedia das amizades e da família que construí lá, uma inquietação surda me cutucava. Segurei a respiração e entendi: Precisava me despedir daquele mar também. Ele que tanto me escutou cantar. Ele que decorou meu cabelo com algas, ele que acolheu tantos choros e pedidos, até meu funeral. Ele que aceitou levar a parte de mim que precisava morrer pra que eu continuasse viva… Como não me despedir?

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O mar de Mombasa me cumprimentava e acalmava da varanda todo dia

Eu realmente achei que passaria uns bons meses sem ver água de novo – do Quênia iria pra Etiópia e, depois, Egito. Desinformação minha: não me liguei que logo no primeiro dia na terra dos faraós me emocionaria em frente ao Rio Nilo, nem que dali um tempo estaria realizando sonhos no Mar Vermelho, faixa de águas guardada entre o Deserto do Sinai e a Arábia Saudita. E que, aliás, de vermelho não tem nada…

Foi no Mar Vermelho que, ironicamente, depois de tanto mergulhar em mim mesma, me formei como mergulhadora certificada… não sem vencer o medo de realizar o sonho. Além disso, essas águas me ensinaram um pouquinho mais sobre respirar – não só pelo regulador, mas dentro de mim. Dançando com o corpo enquanto começava a praticar freediving, dando piruetas e acalmando a mente para voltar a fluir depois de algumas semanas pesadas no Cairo.

Me fascinou o fato de ter um universo inteiro abaixo de uma linha de horizonte – todas as cores & formas & geometrias misturadas e combinadas e ressignificadas de jeitos inimagináveis em peixes e corais me mostraram como as possibilidades realmente são infinitas no mundo de fora e de dentro.

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Mais do que isso, me dei conta que se o externo reflete o interno, então minhas profundezas e sombras eram absolutamente lindas também. Esse mar interno que temos tantos medos de adentrar são também aqueles que guardam os presentes mais potentes.

E a bem da verdade ainda estou aprendendo a navegar. Mas que venham as boas ondas.

Marina Pedroso

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