Encontro marcado

O motorista da agência já estava nos esperando na saída do parque. Voltamos pra Arusha e acabamos ficando no mesmo hostel. Glauco desmaiou na sua beliche e minha vontade era a mesma, mas antes tinha um compromisso muito importante que não podia ser adiado por mais nenhum segundo: um encontro marcado com o chuveiro. Nem sei descrever como foi sentir a água cair no cabelo e no corpo judiado naquele momento. Claro, por causa da baixíssima temperatura dos últimos dias não tomar banho tinha sido até que suportável. Quanto ao cabelo, uma trança resolveu. Mas a poeira que a areia das regiões mais altas levantava e a pele seca demais pediam por água há dias. Fora o ritual, a sensação de se limpar. Credo, que delícia.

Em vez de cair na cama, fiquei presa pela TV – com o celular quebrado há praticamente três semanas e imersa entre búfalos e montanhas, fiquei atônita quando vi os noticiários e encontrei um mundo em colapso: era tempestade de neve na Europa, incêndio avassalador na Austrália, praga de gafanhotos na África e um tal de vírus chamado Corona tomando a China.

No café da manhã, eu e Glauco começamos a planejar os próximos passos. Queríamos ir o quanto antes pra Nairóbi – se possível, naquele dia mesmo. Assim que comecei a pesquisar os shuttles pra atravessar a fronteira até o Quênia, uma brasileira nos deu bom dia. Seu nome era Rachel.

Cabelos longos e ondulados, pele queimada de sol, calça indiana e bolsinha de couro a tiracolo. Podia ser uma cigana, mas era uma mochileira de 48 anos viajando pela África. Assim como eu, também estava subindo o continente e tinha a intenção de cruzar o Oriente Médio e chegar na Ásia.

Contei a ela sobre o meu projeto e da minha frustração por não ter conseguido me conectar a uma mulher sequer na Tanzânia – eram todas extremamente fechadas em Zanzibar, onde a maioria religiosa é muçulmana, e depois eu já tinha embalado no safári e no Kilimanjaro. Quando Rachel me falou que iria visitar uma tribo de viúvas Masai Mara com uma missionária brasileira dali a uma semana, senti meus olhos dobrarem de tamanho como os de uma criança: “meu deus, posso ir junto???”

E foi assim, tão rápido o encontrei, que também me despedi de Glauco. Ele embarcou no shuttle rumo a Nairóbi, eu não. Viajar tem dessas: seguindo a arte dos encontros, junta e separa na hora em que tem que ser.

E foi assim que também conheci Jazz, uma chinesa porreta que Rachel já conhecia de Moshi, onde ambas estiveram antes. Ela entrou esbaforida pela cortina de miçangas da recepção vestida como uma verdadeira Indiana Jones – tinha acabado de chegar do safári.

Ela também iria ficar durante a semana. Na verdade, por tempo indeterminado: Jazz estava presa na Tanzânia por ser chinesa. Tinha voo marcado para voltar ao seu país quando ainda estava em Moshi, mas foi cancelado sem explicação alguma. Tentou tirar visto para ir a outros países e todos foram negados. Afinal, o Corona estava aí… e, como mencionei, ela era chinesa. Foi só quando soube tudo o que Jazz estava passando que comecei a entender a gravidade da situação do vírus mas, de qualquer forma, estávamos a salvo – de toda a África, somente o Egito e a Etiópia tinham apresentado casos.

Por enquanto.

Marina Pedroso

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