O fim do começo e o começo do fim: eu já não vivia minha rotina ali, mas um dia recebi a mensagem de que o indiano teria que vender o apartamento (a.k.a. caverna) que me abrigou nos três primeiros meses de pandemia. Doeu fazer a despedida desse lugar que foi oferecido como um bote salva-vidas e que me acolheu em meio a tanta angústia pandêmica porque eu entendi que minha hora de partir também estava chegando – o início do fim do ciclo no Quênia foi sair pela porta daquela que foi minha principal caverna, onde vivi dias e noites de luz e trevas. Ah, todas as mortes…
Quanta dor e quanto choro vão ecoar entre aquelas paredes só eu e o mar saberemos – ele ouviu tudo. E enquanto a lua cantava toda vez que eu ia dormir achando que ia morrer de malária ou de coração partido, o sol batia ponto toda manhã pra checar se eu tinha sobrevivido à noite.
Tínhamos um ritual diário: ele beijava meu rosto, eu sorria por um minuto inteiro e só depois abria os olhos. Então me espreguiçava na parede e ele marcava em dourado os centímetros que eu havia ganhado: “meu bem, você cresceu”. De tarde, me mandava libélulas pra avisar das ilusões, borboletas pra ajudar nas transformações, arco-íris ou pinturas vivas pra lembrar que nem tudo que se vê na caverna são sombras e cinzas: cicatrizes podem ter cor também.
Antes de ir, olhei pra trás pra me certificar – ainda estavam lá as peles antigas que deixei penduradas no ventilador. Pensei no ventre da baleia da Jornada do Herói – então é bonito assim? É, e é ainda mais lindo na Jornada da Heroína. Sorri… me senti gigante. E então fechei o portão pela última vez.
Que comece as despedida do Quênia…
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