zanzibar e mulheres muçulmanas

A ilha azul e o confronto do Oriente

Pra variar, minha viagem pra Zanzibar foi toda atropelada. Decidi o destino e comprei a passagem dois dias antes, em Johannesburgo, entre uma conversa e outra com Jules, a mãe de Ov. Voltei pra cidade sul-africana por terem me desaconselhado fortemente subir de Moçambique até a Tanzânia por terra – havia um conflito armado acontecendo entre grupos islâmicos e árabes próximo à fronteira de Cabo Delgado. Além disso, o voo sairia mais barato do aeroporto de Jozi se comparado a Maputo e, claro, precisava viver o lado B prometido pelos amigos que fiz no Tofo.

Digamos que foi amor à primeira vista o que senti por Zanzibar…

Então quando saí do avião, fui massacrada pelo ar quente e denso da ilha e pela minha situação vigente de não ter plano algum – não sabia se conseguiria o visto na chegada, como faria pra trocar dinheiro, quanto custaria um taxi (é sempre bom saber qual o valor justo pra poder negociar e evitar qualquer exploração) nem em qual hostel ficaria. Sou taurina com ascendente em capricórnio, pelo amor de deus, sabe… preciso ter um mínimo de controle sobre meus próximos passos pra me sentir segura!

Ao chegar no aeroporto de Zanzibar, tem algumas bancadas com os formulários de aplicação de visto

Dessa forma, depois de ter comemorado por ver uma cabine entitulada por VISA ON ARRIVAL e de me martirizar por ter trocado dinheiro na primeira loja de câmbio que vi pra depois encontrar outras com valores melhores, me vi na rua em situação de: estou perdida. Devo admitir que tenho evoluído nisso. Se antes meu desamparo ficava estampado na testa, agora pelo menos conseguia fazer uma poker face, me resguardar e parar num canto pra analisar a situação antes de decidir qualquer coisa. Então o vi. Tatuado dos pés até a cabeça, com camisa de tigre, papetes e dentes de ouro, parado em pé, celular na mão, visivelmente perdido. “Ahá”, pensei. “Pode ser que ele queira dividir um táxi”. Eu nunca havia usado essa tática tão comum entre os viajantes por motivos de vergonha mesmo, mas né, eu estava ali justamente pra quebrar com os velhos jeitos de ser.

Assim começou minha amizade com Glauco, el brasileiro louco de pedra. Surpreendentemente, ele tava mais perdido que eu – foi pro aeroporto direto de uma festa de hostel em Johannesburgo e, virado e de ressaca, também não fazia ideia de onde ir. Pelo menos eu tinha conseguido entrar no Booking no dia anterior e visto que vários hosteis ficavam numa tal de Gizenga Street, em Stone Town, cidade central da ilha e pra onde acabamos indo juntos caçar algum lugar pra ficar.

zanzibar
Spoiler: fiquei fascinada por Stone Town e sua influência oriental

Zanzibar me pegou de calças curtas, literalmente: cometi uma gafe logo no primeiro dia. Cansada da viagem e passando mal de calor, cheguei no hostel, troquei a calça por um shorts e saí pra andar com a galera na rua. PRA QUÊ – foi questão de tempo até querer voltar correndo pra me cobrir. Cada homem me olhava, ria e fazia um comentário pra mim ou pro coleguinha do lado. Argh.

zanzibar e mulheres muçulmanas
mulheres muçulmanas em zanzibar

Raiva de um lado, mas também mapezada do outro: mais de 95% da população de Zanzibar é muçulmana. Não tem uma mulher que mostre o cabelo e tem até burca no rolê – aquela capa que mostra só os olhos e às vezes nem isso. Por mais que eu fique mordida por dentro (foi a primeira vez que fiquei frente a frente com isso), tenho que aceitar que é a cultura de um país que estou visitando e me vestir minimamente “de acordo”. Eu já sabia que ia me incomodar e sei que o desafio vai ser ainda maior quando chegar no Oriente Médio… mas sinceramente, ainda não sei o que pensar sobre o assunto. Como respeitar uma cultura que a meu entender reprime a mulher? Ao mesmo tempo, será que não existe uma arrogância no meu olhar de mulher ocidental? Qual é meu lugar de fala nisso tudo?

mesquita para mulheres em stone town, zanzibar
mulheres muçulmanas em zanzibar
ruas de zanzibar

Pra complementar, que experiência louca sair na rua e ver hijabs e burcas, mas abrir o Instagram e ver um feed cheio de tapa-teta, biquíni e glitter no carnaval do meu país. Ainda não aceito cobrir o cabelo e me destaco na multidão – talvez porque, mesmo quando ponho a calça ou uma saia mais longa, também uso aquele sorriso marrento que só uma mulher filha do Brasil sabe ter. Que Deus, Jah e Allah abençoem minha liberdade, amém.

rua de Stone Town

Só um adendo: além de ser meu primeiro país muçulmano, também é a primeira vez que entro em contato com um lugar que claramente tem mais influências orientais do que ocidentais. Não sei descrever o quanto estou fascinada pelas portas de madeira entalhadas com arabescos e metais dourados, as ruas estreitas e labirínticas, a arquitetura indiana, os minaretes e mesquitas, a voz do além que canta rezas místicas em árabe através de microfones públicos espalhados pela cidade. Me sentia como Tim Tim e estava prontíssima pra desbravar aquele mundo novo.

Marina Pedroso

Deixe seu comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *

2 comments