“Qual a diferença entre educação e garotos? A educação nunca vai te abandonar.”
Nas últimas semanas tenho me conectado a mulheres e projetos incríveis no Quênia – e foi assim que conheci o @elimucare_ e o @wheelsofhopecbo, ambos nascidos em plena pandemia. Tive a honra de acompanhar o dia em que um projeto encontrou outro – Faridah levou livros e deu mentoria para as crianças atendidas pelo Wheels of Hope.
Desde que as aulas presenciais foram suspensas, nem todos têm acesso ao e-learning – segundo a UNICEF, 17 milhões de crianças quenianas interromperam os estudos desde março, quando as aulas se tornaram online por conta da pandemia, por falta de recursos (eletricidade, wifi, computador)… portanto, muitas estavam sendo deixando para trás, aumentando ainda mais o abismo da desigualdade social e a possibilidade ainda maior de isso se refletir no mercado de trabalho futuramente.
Um grupo de ciclistas de Kikambala percebeu o número de pequenos parados em casa e se mobilizou para continuar com as aulas. “A ideia inicial consistia em angariar fundos para doar uma bicicleta por casa – temos pedalado por aqui há tantos anos e quisemos dar um retorno à comunidade. Mas então soubemos da quantidade de crianças que perderam acesso à educação e entendemos que precisávamos fazer mais”, conta Collins, um dos fundadores do Wheels of Hope. Após entrar em contato com a administração da vila e perguntar o que poderia ser feito, foram informados sobre um grupo de 17 meninas que estavam se encontrando para revisar estudos.
“A ideia inicial era doar uma bicicleta por casa, mas soubemos da quantidade de crianças que perderam acesso à educação e entendemos que precisávamos fazer mais”
A surpresa aconteceu no segundo encontro: quando chegaram, encontraram duas salas cheias de crianças só esperando o início da aula. Mas como? Bem, as 17 meninas chamaram outras crianças, que chamaram outras, e outras…
“Não planejamos virar professores – somente duas pessoas da nossa equipe eram formados. Com essa reação das crianças, no entanto, eles treinaram o restante e agora somos em sete”, conta Collins. A grade de aulas inclui debates importantes para a comunidade e matérias de life skills, como Empatia, Educação Reprodutiva e Autoestima.
Professores repentinos, humanos convictos: mais crianças apareciam a cada encontro e os ciclistas passaram a dedicar suas manhãs para receber os 120 alunos. Também trabalham com uma vakinha para rodar um programa de incentivo e premiar os mais envolvidos com bicicletas. O primeiro a ganhar foi um garoto que conheceram no primeiro encontro com as 17 meninas – ele andava 70km ida e volta a pé para trabalhar na vila, soube que elas precisavam de ajuda para estudar e passou a dar aulas de matemática ao grupo antes de voltar pra casa. Agora, ele vem de bicicleta para ensinar todas as crianças três vezes por semana.
O projeto, no entanto, está sendo bancado do próprio bolso dos ciclistas. Eles precisam de ajuda e buscam qualquer tipo de ajuda, desde doações financeiras até de bicicletas, livros e materiais escolares e absorventes para as meninas. Para ajudar, basta entrar em contato pelo instagram @wheelsofhopecbo.
O cuidado com a educação no Quênia
O @wheelsofhopecbo é apenas um dos projetos mapeados por @faridahally, que lançou sua @elimucare_ em julho. Potência define essa mulher que sabe dos tantos fatores que bloqueiam o processo de aprendizagem – ela venceu as suas lutas e, agora, volta para puxar os outros. Por isso, seu projeto busca atender qualquer necessidade e preencher qualquer gap entre as crianças e a educação, desde a falta de materiais escolares, banheiros e tanques de água até mentorias e motivação para alunos e suas comunidades – não à toa, Elimu Care significa “cuidado com a educação” em Swahili.
Desde que começou já ajudou mais de 700 alunos, mas ainda vai longe: uma de suas maiores metas é fechar parcerias com o governo, escolas de tecnologia e ONGs internacionais pra oferecer computadores e aulas de programação, aumentando o nível de inclusão.
A frase que me veio no final da visita foi sobre flores que nascem no asfalto: elas existem, persistem, incluem e viram floresta.
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Senti o coração bater arrepiado quando entrei em uma das salas. Naquele dia chovia e os meninos não compareceram – elas, no entanto, não faltaram. As meninas são, aliás, as alunas mais assíduas e esforçadas não só porque gostam de estudar, mas porque gerações de mulheres quenianas estão despertando para o fato de que a educação é a única maneira de conseguir independência.
Elas enfrentam tradições culturais calcadas em papéis de gênero que assumem que garotas não precisam ir à escola – pra quê se assim que casarem vão ficar em casa cuidando do marido e dos filhos? – e barreiras que incluem a própria menstruação. Por falta de absorventes e excesso de tabu, podem faltar na escola e perder até ¼ do mês. Ou seja, têm 25% menos aulas do que os meninos.
E não dá pra falar em oportunidades no mercado de trabalho, igualdade de salários e independência financeira sem antes olhar pros obstáculos entre as meninas e a educação (e que simplesmente não existem para os garotos).
Daí a importância de projetos que buscam trazê-las ao mesmo ponto de partida que eles. De debates que questionem o mindset vigente. Da representatividade: uma @faridahally_ e uma @wevynmuganda mostrando que é possível chegar lá.
Senti o coração bater arrepiado quando vi o tema do debate escrito na lousa: “meninos são mais importantes que a educação?” Não sabia que eu ia parar na frente da sala – no embalo, saiu o apelo pra que jamais acreditassem em quem diz que são incapazes ou insuficientes. Que não podem, não devem. Em vez disso, que adotem o mantra: mulheres educadas têm menos chances de serem subjugadas.
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