Virei mergulhadora

Estou aqui nessa viagem realizando um sonho, mas tem dias que eu esqueço. Foi em novembro que levei um sacode: “menina, você fala que tá indo pro Egito amanhã como se estivesse indo ali na esquina! É o sonho de tanta gente…”

Ué, era o meu sonho também. Como pude esquecer o quanto quis isso?

Eis que tinha esmorecido na Etiópia – um pane emocional me baqueou até o corpo pedir arrego. Com o peso dos dias, me amorteci. Perdi de vista a leoa que tinha saído do Quênia um mês antes.

E foi assim, antes mesmo de pegar o avião, que o Egito me deu meu primeiro presente: lembrei da giganteza que é realizar um sonho.

“Sincroironia”. Se no Quênia me criei mulher, parece que aqui na terra dos faraós meu trabalho tem sido me deixar ser menina. Perceber o olhar encantado pro mundo. Chorar, gritar e dançar de alegria ao ver as pirâmides, a esfinge, o Nilo. Brisar de frente pro Mar Vermelho, só imaginando como deve ter sido quando Capitão Nemo passou por ali com o Nautilus durante suas 80 mil léguas submarinas. Voltar a desenhar. Rir alto e sentir gosto de vida na boca. Redescobrir os superpoderes de um sorvete e quão forte é respeitar minhas vontades.

Então voltei a realizar meus sonhos dentro de outro sonho, o mochilão de volta ao mundo – fui atrás de um curso de mergulho, há muito tempo na minha bucketlist. Mas não foi tão simples assim… E sinto que preciso alertar quem quer viver uma viagem longa como a minha.

Dormi no meio de um sonho

Percebi que quando se vive um sonho por muito tempo, também corre-se o risco de dormir no meio e esquecer. Pasmem, não é só a rotina das 9-17h que amortece. Mas o que é que nos faz desconectar então?

Morei por quase um mês na rua de trás de um centro de mergulho em Dahab, cidade do Mar Vermelho no sul do Sinai. Só fui fechar os cursos que sonhava fazer na terceira semana e, mesmo assim, adiei por mais alguns dias. Sentia um ranço, uma preguiça, um peso – na noite anterior, vinha aquela sensação de fim-de-domingo-prenúncio-de-segunda-feira. “Ah, não… não quero ir” e cancelava. 

Não sei ainda qual era o medo exatamente. Pode ser que mergulhar no oceano fosse um rolê arquetípico e meu inconsciente estivesse registrando que seria um mergulho nas minhas profundezas mais desconhecidas – foge, bino! Pode ser que os vídeos tutoriais tenham engatilhado a ideia de que eu morreria embaixo da água se fizesse um sinal errado com a mão – que horror querer dizer algo e ninguém me entender! Às vezes, podia ser medo de trazer um ideal pra realidade e descobrir que nem era tudo isso – a frustração, meu pai! Claro, grandes chances de ter sido autossabotagem – ou tudo isso junto. 

Só sei que de tanto não ir atrás do sonho, ele veio até mim. Do travesseiro, mergulhei em um mar de azul absurdo e gritei de alegria quando vi um peixe enorme no fundo.

Quando despertei, foi de um sono mais profundo ainda: era meu sonho, p*! Que isso de “não quero ir, deixa pra amanhã”?

E foi assim que pulei da cama e parti rumo ao primeiro dia do Open Water, curso inicial de mergulho da @Paditv.

mergulhadora no egito

virando mergulhadora no egito: como ousei não ousar?

Não sei descrever o que vivi. Me encontrei, me preenchi, voltei pra casa. Pirei com todas as cores e geometrias combinadas dos jeitos mais inimagináveis do Mar Vermelho, que de vermelho não tem nada. Gritei pelo regulador quando encontrei o elefante de Dahab me olhando lá do fundo.

mergulho-egito
Eu e o elefante de Dahab, escultura feita com lixo jogado no mar
peixes mar vermelho

No fim, fiquei tão pilhada que emendei o curso Open Water no Advanced – foram seis dias mergulhando até três vezes ao dia. Dominando o uso do regulador e a medição de ar, além de técnicas como o Buoyancy (flutuação) e a recolocação da máscara e do colete (chamado de BCD) abaixo d’água.

mergulho egito
A carinha de felicidade da criança: sonho realizado

Começamos pelo Lighthouse, ponto de encontro de banhistas e iniciantes do mergulho com cilindro – quem não está fazendo as aulas técnicas do Open Water pode simplesmente pegar um snorkel e flutuar pelo paredão de corais. Mas também desbravei as águas do The Islands e dos Cânions, ambos fantásticos – o primeiro porque passamos no meio de paredões gigantes que formam um corredor de corais com uma diversidade absurda de vida; o segundo porque descemos até algumas cavernas. Fui até a ilha de Gabr El Bint duas vezes para performar o mergulho de um barco. Outra locação que fui algumas vezes foi o Blue Hole, mundialmente famoso por um motivo bem simples: é um dos lugares mais perigosos e tentadores de se mergulhar.

gabr el bint
A caminho de Gabr El Bint

O mergulho no blue hole

Uma lenda beduína conta como o Blue Hole é assombrado pelo fantasma de uma garota que se afogou para fugir de um casamento arranjado… por isso, talvez, é que tenha ganhado fama como um dos pontos de mergulho mais mortais do mundo: nos últimos 15 anos, entre 130 e 200 pessoas faleceram enquanto tentavam completar a travessia pelo grande arco, cujo teto mínimo chega a 52m e, o fundo, a um máximo de 120m de profundidade.

Blue hole
Blue Hole visto de cima das rochas
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E mesmo que não seja por isso; ainda que não se entenda por que exatamente a taxa de fatalidade é tão alta comparada a outros lugares, os principais motivos apontados são a subestimação do nível de dificuldade do mergulho, a narcose por nitrogênio e a intoxicação de oxigênio – quando consumidos a altas pressões, ambos os gases podem levar à desorientação e alteração de consciência, o que leva mergulhadores a se confundirem e tomarem decisões erradas… como nadar ainda mais fundo quando já estão com oxigênio limitado, por exemplo.

Mergulho Blue Hole
Mergulhando no Blue Hole

Ahmed, meu coach, disse que eu lembrava a ele mesmo 20 anos atrás. Não sei se um dia vou trabalhar com mergulho, mas ele testemunhou o sonho nascer em mim – imagina levar outras mulheres pra descobrirem o oceano que existe dentro delas também? Talvez por isso tenha me levado pra encarar o grande arco… ele sabia que eu também ouviria o canto da sereia. Que eu também veria o mistério e a beleza selvagem daquela entrada monstruosa que convida à escuridão do mar. E assim foi: ficamos ali, suspensos a 30m (profundidade máxima permitida no Advanced) abaixo do resto do mundo – dois abismos fitando um terceiro (salve, Fernando Pessoa) enquanto sereias cantarolavam sobre a jornada da humanidade: a necessidade de ir além e descobrir.

Só sei que fui oceano antes mesmo de chegar ali – chorei muito por aqueles que nunca saíram daquelas águas quando vi o memorial do lado de fora, nas rochas. Sonhos iluminam e são bússolas, como diria @pathiflor… mas como podem te levar ao túmulo? Como pode a vida puxar o tapete de quem pelo menos tenta?

blue hole memorial
blue hole memorial
“Não deixe o medo bloquear o caminho dos seus sonhos”

Não importa – às vezes é assim. Tenho pra mim que morte mesmo é ignorar o coração, o único que nunca vai te trair.

Fora que não tem nada mais forte do que viver um sonho e ver que era tudo aquilo mesmo e muito mais. Enquanto flutuava pelo paredão externo do Blue Hole, um pensamento passeou por mim. Se a gente reconhece no externo o que já temos no interno… isso tudo sou eu? Arregalei os olhos e soltei: “caraca, minhas profundezas são lindas…”

Como pude ter medo disso? Como poderia morrer sem um dia ter vivido esse momento?

Como a gente tem coragem de deixar um sonho pra depois? Como a gente ousa não realizar?

Como se ousa não ousar?

merguhadora certificada
Mergulhadora avançada certificadah, sim senhora!

INFORMAÇÕES E DÚVIDAS SOBRE MERGULHO


Se mergulhar é seu sonho também, respondo abaixo algumas das principais dúvidas que recebi sobre – desde informações sobre a atividade em si quanto o curso de certificação. Dá uma olhada!

PRECISA SABER NADAR PRA MERGULHAR?

Segundo as normas da PADI, sim 🙁 mas boto fé em você, peixinho – nunca é tarde pra aprender!

E A PRESSÃO NOS OUVIDOS?

É muito tranquilo! O truque é apertar o nariz e “assoar” a cada metro que você desce para equalizar a pressão.

QUAIS AS ETAPAS PARA QUEM QUER FAZER O CURSO de mergulho?

Os cursos são sequenciais. Começa pelo Open Water, que é o básico e onde é passada a maior quantidade de informações – tanto que tem uma prova teórica final que tb conta pra graduação. Me arrependi de ter dormido em algumas aulas de física lá no colegial 😂 em seguida tem o Advanced, que é menos teoria e mais prática. Ah, ambos são feitos em 3/4 dias e incluem 5 mergulhos cada.

POR QUE FAZER O ADVANCED?

Conforme o avanço nos certificados, maior a profundidade permitida – o limite no Open Water é até 18m, enquanto no Advanced é de 30m. Muitos lugares só são acessíveis a partir do advanced – quem é OW não tem acesso ao Blue Hole, por exemplo.

SE FIZER o curso de mergulho NO BRASIL VALE EM QUALQUER LUGAR DO MUNDO?

Sim! O PADI é uma das associações internacionais que dão certificado de mergulho – os cursos são padronizados e depois de realizar o OW você já tem registro de mergulhador. Me formei no Egito, mas se for pra Ásia é só me apresentar em um centro de mergulho – ainda tenho desconto no dive. Basicamente a diferença em se formar em um país ou outro é o preço.

QUANTO CUSTA FAZER UM CURSO DE MERGULHO NO EGITO?

Dahab, cidade às margens do Mar Vermelho no Egito, é conhecida como um dos lugares mais baratos do mundo para tirar o certificado de mergulho – a média sai entre 180~350 euros por curso.

QUAL FOI SEU MAIOR MEDO DURANTE O MERGULHO?

Só paniquei no exercício de tirar a máscara inteira e colocar de novo – tem uma técnica pra expulsar a água de dentro mesmo submersa, mas como não quis abrir o olho não sabia o que tava acontecendo e comecei a respirar pelo nariz de nervoso.. lembrei que não dá né, senão chupa água mesmo 😂

Outro medo: encostar nos corais, porque qualquer toque os mata. O momento que mais gastei oxigênio foi quando meu coach me passou um nano camarão na mão – aquela vida era tão delicada e a minha euforia tão corpulenta que tive medo de quebrar sua casa num destrambelhamento meu. Mas a quem interessar possa todos sobrevivemos e flutuei sem tocar em nada 🧜🏼‍♀

Rolou mais dúvida? Comenta aí 🙂

Marina Pedroso

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