Paralisia

Assim que cheguei na poltrona, sentei devagar, olhando com cuidado pros lados e tentando decifrar se Serginho Malandro ia pular de trás de alguma coisa e revelar a pegadinha. Passaram cinco minutos, nada aconteceu – ninguém veio dizer que tinha algo errado com meu passaporte ou com a minha cara e que por isso teria que sair do avião. Ligaram o motor, as rodas decolaram. Dessa vez era real. Depois de quatro anos desejando esse momento, ele tinha se materializado. Estava partindo pra minha volta ao mundo.


Chegou ao fim a primeira semana na África do Sul e eu me sentia paralisada. Não me preparei o suficiente porque no mês anterior à partida fiquei resolvendo questões burocráticas da vida que ficava no Brasil. Avisei a agência em que trabalhava que ia sair dois meses antes, em setembro, mas me propus a ficar até meados de novembro pra não deixar ninguém na mão. Bem, foi uma ideia ruim: com voo marcado pro 8 de dezembro, tive três semanas pra organizar TUDO.

Precisei da primeira pra fazer um detox e efetivamente entender o que eu precisava organizar antes da viagem. Foi nessa semana que me liguei que precisava de um cartão de débito (pra sacar em ATM’s internacionais), de uma carteirinha internacional de jornalista, fazer procurações e validar em cartório, contratar um seguro viagem, ir atrás de equipamentos… fora o bazar que eu queria fazer pra vender o que eu pudesse das minhas coisas e arrecadar um pouco mais de $ pro pé de meia. Já tinha lançado uma conta no Instagram só pra isso, o @garotaquerviajar, e vinha postando peças que tinha fotografado com a ajuda do meu amor há um mês – vou te falar, foi um trabalho do cão!

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E foi justamente a segunda semana inteirinha que esse bazar de despedida demandou. Separar tudo, fotografar, criar o convite, divulgar… a função só terminou domingo à noite, exatamente 7 dias antes do meu voo.

E bem, a última semana eu usei pra arrumar e comprar coisas que faltavam no mochilão, correr atrás das burocracias reveladas na primeira semana e TENTAR estudar alguma coisa do meu roteiro na África do Sul – claro que falhei miseravelmente. Pedi ajuda pra Vic, louca das viagens como eu, mas mesmo com as dicas que ela juntou do que fazer por lá, era quarta-feira e a única coisa que eu sabia era que eu chegaria de avião em Johannesburgo na segunda-feira e dali começaria uma viagem de no mínimo um ano pelo mundo.

Então, veja bem: me aterrorizava não ter um mínimo de planejamento ou controle sobre meu futuro. Me sentia insegura, despreparada, inconsequente. Como se eu tivesse sabotado a mim e meu sonho. A Impostora sussurrava: “quem você pensa que é? Que raio você acha que vai fazer lá? Tá pensando que é só entrar no avião? Você nem tem um projeto, pra começar. Vai dar tudo errado e você vai voltar logo, logo”. Então, é claro, a viagem mal tinha começado e eu já me sentia uma fraude.


Como sempre mochilei pela América do Sul, foi um choque de realidade chegar sozinha a um continente diferente pela primeira vez, sem planos e ainda por cima carregando um monte de vozes ecoando como a África era perigosa. Mas meu objetivo enquanto jornalista e mulher viajante era justamente esse – viver o mundo por mim mesma, não pelo que os outros falam.


Então cheguei em Cape Town.

A mão é inglesa e o inglês, por sinal, é rápido e cheio de sotaques das 11 línguas existentes no país. Não dá pra conversar com UM homem sem terminar com ele soltando um ’you are beautiful, when are you going to my house?’ – seja ele um uber, um segurança do aeroporto, um garçom. A noite só chega 20:30, sendo que são cinco horas à frente do Brasil – não consigo dormir, acordo cansada. Tem TANTA coisa pra fazer na cidade que qualquer cria de São Paulo que chega sem planos ficaria como eu: perdida, sentindo culpa por fazer só uma coisa por vez (sendo nenhuma delas os “must do’s” de Cape Town), com medo de não estar aproveitando o suficiente. Agora era real: estava fora da minha zona de conforto. Não conseguia respirar nem saber o dia de amanhã.

Estava paralisada.

Marina Pedroso

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