Desde que eu comecei a flertar com a ideia de fazer uma volta ao mundo, uma questão em particular passou a pipocar bastante pra mim em conversas, palestras, whatevá: é preciso ter certeza que essa decisão de partir não seja, na verdade, uma forma de fugir de algo.
Todo mundo tem problemas e cada um tem um jeito de lidar. Assim como eu me enfiava em salas de cinema pra passar duas horas alheia à realidade, largar tudo aqui pra viajar o mundo também poderia ser uma forma de escapar das tretas.
Só que, Bino, essa fuga é uma cilada. Porque não importa o país em que você se esconda, as tretas te acompanham. Você vai carregar junto pelo simples fato de que os problemas não são externos, não são culpa dos outros e não são despistáveis. São parte de você. São um reflexo seu, da sua forma de pensar ou de sentir. Esses problemas que você pensa que irão ficar em casa pegam carona na sua mochila.
E aí eu fiquei muito tempo matutando sobre isso. Será que essa gana louca de rodar o mundo me dominava porque eu queria fugir?
É verdade que eu sempre, desde a infância, lutei bastante com a sensação de não pertencer, de não ser adequada, de não ser boa o suficiente, de ser uma impostora. Pra mim, uma das coisas mais fascinantes que uma viagem pode te dar é o anonimato. Ninguém sabe quem você é. Ninguém te prende em rótulos ou espera algo de você. É uma chance de ser e viver como você bem entender, sem ter que dar satisfação pra nada, sem ser dirigida por aquela necessidade compulsória de agradar todo mundo. Você se torna livre pra ser quem você é sem o peso da cobrança, das obrigações, das convenções sociais.
Sim. Definitivamente, iria por isso – mas é apenas uma dentre tantas outras razões para viajar o mundo. Eu quero ir não para fugir de responsabilidades e sim porque eu quero me dar de presente essa chance de crescer, de me transformar, de evoluir sem nada me prendendo. Quero deixar minha pele velha pra trás e expandir até não caber mais em mim.
Ao partir, nunca mais serei a mesma. Óbvio, mesmo ficando no Brasil eu mudaria de qualquer forma – mas eu preciso desesperadamente de uma sabedoria com a qual eu já flertei nos meus mochilões e que sei que existe na estrada. Preciso das experiências e das lições de vida que uma viagem desse calibre promete. Preciso ver o mundo com meus próprios olhos, subir montanhas, nadar com baleias, experimentar comidas novas, conversar com gente em outras línguas, sentir a bondade genuína do ser humano ao sair do circuito de uma rotina normal, entremeada por interesses, relações de poder e status.
Nesse fluxo doido de pensamento, outra coisa me bateu: gata, as pessoas não são binárias. Não são isso OU aquilo, mas isso E aquilo. O fato de eu afirmar que quero ir ao encontro de algo não quer dizer que eu também não esteja querendo fugir. Faz sentido. Você sai de um lugar para chegar em outro porque A) você não quer mais estar no primeiro lugar e B) você quer estar no outro lugar.
Então, baixo a guarda e admito: quero viajar pra fugir de uma realidade E TAMBÉM pra criar uma nova. Pra causar reações químicas e explosões dentro de mim. Pra fugir do meu marasmo, de um destino que não foi feito pra mim, pra exercer meu livre-arbítrio e escrever uma história a quatro mãos com o que tiver de ser.
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Então ficou decidido: eu iria partir.
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