Um dia, conversando pela milésima vez com Kelvin sobre o Womanifests, acendeu uma lâmpada acima da cabeça dele: “você deveria conhecer a Wevyn!”
Foi no Java House que trocamos sobre a situação de mulheres no Quênia e o que poderíamos fazer juntas. O cerne era contar as histórias de mulheres de Mombasa que pudessem inspirar outras, mas que também precisavam de apoio financeiro para seus projetos ou lutas. Queríamos ser a ponte entre elas e os “patrocinadores”. Tive a ideia de fazermos uma fanzine mas nosso tempo de repente ficou limitado: o governo queniano anunciou a queda da anistia de visto para turistas por conta do Covid-19. Então nosso plano evoluiu para uma plataforma digital que pudesse ampliar a visibilidade das histórias. Entrevistamos seis mulheres absolutamente incríveis – dentre elas, Zubeda.
Pense em uma heroína de 13 anos em apuros. Ela e seu irmão menor, Adam, tiveram de interromper os estudos desde março, quando as aulas se tornaram online por conta da pandemia. Sua família não tinha eletricidade há cerca de um ano, que dirá wifi ou um computador…
Mas o problema era um pouco mais embaixo. Depois de ser abusada psicologicamente e mal paga por seu chefe por dois anos, Swalha, a mãe de Zubeda e Adam, foi demitida em dezembro e entrou em depressão. Sem poder arcar com o tratamento e encontrar outro emprego, começou a acumular contas, incluindo as mensalidades escolares.
A solução que Zubeda encontrou para lutar por sua educação e ajudar em casa foi vender pinturas e pulseiras que ela faz com cadarços. Adam também entrou no “negócio”, mas vira e mexe ficam sem materiais pra continuar a produção.
Então decidi que tentaria ajudá-la. Eu sei que infância alguma deveria ser assim e eu sei quantas Zubeda’s estão por aí – mas é que essa cruzou o meu caminho, virou minha rosa na terra dos baobás. Então, por ela, quis tentar.
Enquanto tentava ajudar Zubeda, lidava com uma culpa prévia: ela era a minha rosa na terra dos baobás e achei mesmo que ia falhar com ela. Tinha tanto acontecendo que parecia que não ia dar tempo…
Três semanas no relógio pra sair do Quênia e decidir o futuro da viagem – exatamente o mesmo tempo que tive pra organizar minha volta ao mundo e partir do Brasil… curioso, né –, a sensação eterna de trabalho inacabado e a necessidade capricorniana de concluir alguns processos internos antes de a nova etapa chegar. Só que fui tão fundo no labirinto que me perdi no caminho. Me sentia bloqueada, sem visão, um caos despropositado. Geralmente, são nesses momentos que os mentores aparecem e dão uma arma mágica ao herói – aí me veio a ideia de voltar à terapia. Precisava de alguém que olhasse meu mapa com visão de águia e que pudesse reencontrar a ordem no caos a quatro mãos comigo. Corta cena, entra a bruxona da @camillaamadori na minha vida.
Certo dia, uma amiga tinha me chamado pra sair à noite e eu já estava decidida a não ir justamente pra estudar e cavar mais. Ia mandar mensagem logo depois da sessão, que terminou com a Cá soltando um “Não é bom ficar mergulhada nos processos o tempo todo. Sai um pouco, vai fazer outra coisa, respira…”
Respirei, mudei de ideia e fui. No balcão do bar, comecei a conversar com uma pessoa que tinha acabado de conhecer. Contei de toda a viagem até aqui – a saída do Brasil, o perrengue e as mil mulheres do Kilimanjaro, as máquinas de costura de Kisumu… e os olhos dele brilharam. “Me fala o que você tá fazendo agora, como posso te ajudar?” Contei outra história, dessa vez sobre uma menina de 13 anos tentando quitar as dívidas da escola pra continuar estudando. No dia seguinte, o dinheiro foi transferido não só pra saldar as contas dela, mas de seu irmão menor também.
Me encontrei com Wevyn no banco e levamos os recibos de surpresa pra família. Voltamos ainda outra vez para almoçarmos juntas e quando, na nossa despedida, Zubeda quis me dar um de seus quadros, expliquei que minha casa tem meio metro de altura – não daria pra carregar no mochilão. Então me deu um colar com um pingente de concha quebrada… não me surpreendi quando percebi o formato de rosa.
Lembrei das costureiras de Kisumu e de como eu sentia que pouco poderia fazer em uma semana. Como lancei a campanha de crowdfunding crente que ia dar em nada. “Quem sou eu pra fazer a diferença?”, a impostora me perguntava. Na verdade, quem era eu pra não fazer?
Parece que Zubeda veio pra reforçar a lição: podemos fazer muito mais do que imaginamos. O quanto nos subestimamos ou, pior, o quanto alimentamos nosso ego criando esse lugar de salvadores do mundo quando em verdade somos apenas canais. Quando, em verdade, tudo o que precisamos fazer é nos tornarmos disponíveis. Dar o primeiro passo como um ato de fé – não sei no que isso vai dar, mas vou tentar. E então, a mágica acontece, o caminho se cria, as pessoas certas aparecem pra fortalecer.
O doador de Zubeda também foi um anjo pra mim. Em um momento onde me questionava sobre o que estava fazendo, ele pediu para que eu não parasse – ele precisava que eu continuasse viajando e contando minhas histórias no blog. Serviu como um sinal – essa viagem não é só sobre mim… quem sou eu pra não seguir?
[…] quenianos nunca ouviram falar; entrevistei mulheres, fiz amizades incríveis e não só conheci uma artista inspiradora de 13 anos lutando pra voltar às aulas, como fiz a ponte para uma doação que …. E se eu descobri meu coração da leoa no Kilimanjaro, foi nesse meio-tempo que ela passou a se […]