Viajei nos anéis de Saturno

Não é incomum eu levantar o braço esquerdo pra mexer no cabelo e alguém reagir com um “ah, você gosta de Jupiter?”

Jupiter não tem anéis, carai. A tatuagem no meu antebraço é Saturno, o sexto planeta e o segundo maior do sistema solar – tem 95x a massa da Terra. Também é conhecido por ser o regente de Capricórnio, o “planeta do destino”, senhor do karma e do tempo. Dizem que ele traz à tona as lutas que travamos com nossos medos e limitações.

Tudo isso foi o que li sobre ele. Mas assim como as mitocôndrias, mesmo estando em livros e wikipédia, quem garante que existe mesmo? Não é uma coisa que você se questiona no dia a dia, mas para um pouco pra pensar… até você testemunhar com seus olhos, seu toque ou seu paladar, a única prova que você tem é o que te disseram sobre.

Então acho que foi por isso que levei um baque quando o vi. Nunca tinha parado pra pensar em Saturno, mas ver com meus próprios olhos aquela bola com anéis nítidos e também a sua lua, Titã, teve o mesmo efeito que um tapa na cara enquanto você está dormindo. Com a cara enfiada num telescópio no meio do Deserto do Atacama, morrendo de frio, comecei a chorar. 

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Apresento-lhes o Senhor do Tempo, seu excelentíssimo Saturno – e sua lua, Titã, a tiracolo

Chorei porque era meu primeiro mochilão sozinha. Foi como se o mundo estivesse se abrindo pra mim como prêmio por ter me aventurado pra fora da minha zona de conforto, pra além de fronteiras conhecidas e pra bem longe de um dia a dia que vai matando aos poucos. Chorei porque percebi o quanto a minha existência é pequena diante dessas coisas seculares e imperativas que existem independentemente de eu pensar nelas ou não. Chorei porque Saturno não tá nem aí pros meus problemas, pras minhas loucuras. Saturno tá cagando se descobrimos a cura do câncer ou não. Chorei porque descobri que o danado existe mesmo – não era só uma coisa que escreveram nos livros. Chorei porque Saturno prova que outras realidades não só são possíveis, como estão disponíveis – basta olharmos pra elas.

Fui laçada pelos seus anéis. Foi nele que pensei quando estava subindo até Machu Picchu, recapitulando tudo que tinha acontecido em quase 20 dias de mochilão. Foi ele que me deu um tóin na cabeça: os falsos policiais da Bolívia levaram embora minha câmera, meu celular, meu dinheiro, mas não levaram minha experiência com Saturno. Mesmo sem nada, o planeta continua no mesmo lugar e agora também aqui dentro – foi algo que eu testemunhei e vivi e ninguém poderia tirar isso de mim. De uma forma bem torta, o senhor do tempo e do karma me ensinou mesmo a levar alguns medos menos a sério e a descobrir outras realidades. Foi Saturno (e não Jupiter!) que ficou tatuado na mente e, agora, na minha pele também.

Marina Pedroso

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